Estou doente há mais de 48h, apenas saio de casa para ir ao videoclube e novamente regressar para o meu adorado sofá….
Hoje decidi espantar o vírus, e aumentar a minha aventura de ir ao videoclube abastecer-me de imagens, e parei para lanchar num café mítico desta aldeia que me serve de morada.
Na mesa ao lado fala-se da vida alheia, dois casais na casa dos sessenta anos discutem o casamento da filha da "Cândida" que coitadinha foi deixada pelo marido, o casamento não durou nem um ano, mas a final ela também não era nada simpática….um dos casais passou uma semana em casa da Cândida tinha a garota uns 16 anos e quando foram ao casamento ela nem os reconheceu….
“Parece que ele arranjou outra, um homem não sai de casa sem motivo, essa é que é essa, e ele era uma jóia de rapaz, não desfazendo…ainda no outro dia o vi…
Ele bebe um bocadinho, mas a cabeça é dele coitado…
Olha é cá que se paga…
Nesse dia que o vi comprei uns sapatos pretos lá no Sr. Vasco, já tinha os outros desde o ano passado, comprei-os por esta altura para os anos do Miguel, já nem sei quantos quilómetros terão feito….”
Do outro lado da rua reparo num casal… ele tem 50 e poucos anos, veste fato cinza escuro , ela pouco passa dos 38 cabelos negros longos, sapatos altos, sais muito justa ao corpo, saem de mão dada de uma apartamento de fim de semana, no centro de uma vila não muito longe de um qualquer centro urbano, caminham encostados um ao outro como se o mundo os empurrasse, são frágeis. Sentam-se atrás de mim, e pedem dois cafés antes da viagem de volta.
Entre risinhos e festinhas ela diz-lhe que deixou a filha com a irmã, e que tem jantar feito em sua casa, ele fica em silêncio uns segundos, observo-os pelo canto do olho, ele sorri e acaricia-lhe a face como se uma resposta repetida se tratasse, tenho de estar em casa para jantar, diz-lhe sorrindo.
Estes sapatos estão a matar-me, diz mudando de assunto….
Descem a rua de mão dada e com dores nos pés, depois de um café em silêncio, aquele silêncio de quem não diz o que quer por medo de complicar, e o silêncio de quem não diz porque não tem nada para dizer….
Deixaram os risinhos para a próxima quinta-feira….
Olhei para os meus pés, as botas são sempre as mesmas, pensei para mim quantos quilómetros já levarão….