Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com caracter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado
Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo
Daniel Filipe (1925 - 1964)
"A Invenção do Amor e Outros Poemas", Lisboa, Presença, 1972
Não só, mas principalmente para ti R.
quarta-feira, 28 de março de 2007
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6 comentários:
é bonito, sim senhora. muito mais bonito que oferecer-se um ramo de rosas. não achas ridículo oferecerem-se flores (vivas-mortas)?
(desculpa a minha falta de romantismo, mas o que chamou mais a atenção foi o facto de já haver nessa altura anúncios a rádios e detergentes. fantástico!!)
Muito bonita esta descrição dos espaços....
E há mil gestos melhores que as flores, mas tenho de confessar...
Sou uma mariquinhas que gosta de receber flores, mas não das pindéricas todas arranjadas, e cheias de laços....
dos meus poemas favoritos. dei com a citação dele num livro do qual também gostei muito e acabei por o comprar numa feira do livro (daquelas que costumam haver na baixa numa lateral junto ao camões). dava uma história.
desconhecia por completo
obrigada
*
S.:
Dava tantas histórias.. :)
Maria da Rosa:
De nada...
Lindo. Sempre gostei de amores assim, discretos, profundos, que não se mostram, sentem.se cá dentro...
Beijinhos
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